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sexta-feira, 15 de março de 2013

Multicampeão, time do Instituto de Cegos busca apoio para competir


No livro 'Ensaio sobre a cegueira', José Saramago diz que a ‘a ausência de visão é viver num mundo onde se tenha acabado a esperança’. No entanto, se tivesse conhecido o time de futebol de cinco do Instituto de Cegos da Bahia (ICB), o escritor português perceberia estar redondamente enganado. Na quadra, com a bola rolando, os jogadores provam que, mesmo sem enxergar, a esperança permanece viva, uma fiel companheira de quem aprendeu a conhecer o mundo sem o auxílio dos olhos. Com a habilidade típica daqueles que driblam a escuridão, eles mostram com a bola nos pés que a visão é apenas um detalhe, pormenor há muito superado por homens talhados na dificuldade, que descobriram desde cedo que acreditar era a única opção para trilhar o caminho da vitória.
time de futebol de 5 do instituto de cegos da bahia (Foto: Thiago Pereira)Time do Instituto de Cegos da Bahia é tetracampeão brasileiro (Foto: Thiago Pereira)
O time foi fundado em 2003, pelas mãos do professor de educação física do ICB Gérson Coutinho, que desde então assumiu o comando técnico da equipe. Mesmo com pouca estrutura, o grupo não precisou de muito tempo para mostrar que já havia nascido grandioso. No mesmo ano, disputou a Série B nacional do futebol de cinco para cegos e conquistou o acesso para a primeira divisão da categoria, festa que, apesar de intensa, não durou muito.
Classificado, o time do ICB encontrou no caminho adversidades financeiras, não conseguiu disputar a primeira divisão nacional de futebol paralímpico e acabou obrigado a voltar para a segunda divisão. Apesar de dolorido, o tropeço não parou o grupo. Determinados, eles procuraram parceiros e conseguiram montar uma estrutura capaz de fazer bonito já em 2006, quando conquistaram o título da Série B e o acesso para a elite da categoria, de onde nunca mais saíram.
Gerson Coutinho, técnico - Instituto de Cegos da Bahia (Foto: Thiago Pereira)O técnico Gerson Coutinho é a grande referência
do time do ICB (Foto: Thiago Pereira)
Nos anos de 2007 e 2008, ficaram com a terceira colocação do campeonato nacional. A partir de 2009 é que a rica história de títulos teve início, com a primeira conquista da Série A. Nos anos seguintes, mais três títulos brasileiros, com destaque para o troféu do ano passado, adquirido de forma invicta.
- Ganhamos todas as partidas disputadas no ano passado. Marcamos 48 gols em seis partidas. Vencemos o regional pela primeira vez e faturamos o nacional sem perder para ninguém – diz com orgulho o técnico Gerson Coutinho.
Treinador linha dura, Coutinho busca ser a referência para os atletas que comanda. Entre sopros no apito e alguns gritos, ele conta que exige seriedade dos jogadores e aplicação nos treinos, realizados no complexo esportivo de uma faculdade localizada em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador.
- Eu acredito que quem não leva o esporte a sério não conquista resultados. Passo isso para os meus atletas todos os dias. Aqui, quem chega atrasado toma esporro. Durante o campeonato, ninguém bebe e ninguém faz noitada. Todos ficam focados no objetivo, que é o título – contou.
Além dos títulos, o time do ICB coleciona talentos. A equipe é a base da Seleção Brasileira paralímpica de futebol de cinco. Três atletas do ICB defenderam o Brasil na Paralimpíada de Londres, realizada no ano passado. O grande destaque é Jefinho, eleito melhor jogador do mundo da categoria em 2010.
time de futebol de 5 do instituto de cegos da bahia (Foto: Thiago Pereira)Grupo treina toda semana em uma faculdade de Lauro de Freitas (Foto: Thiago Pereira)
- Temos uma equipe muito forte. Temos a base da Seleção Brasileira e outros atletas que já defenderam o Brasil, mas já não são convocados por causa da idade, como é o caso do Selmir. Somos tetracampeões brasileiros e conquistamos o respeito dos adversários onde quer que passamos – declarou o treinador, que trabalha no ICB desde 1983.
Falta grana, sobra vontade
Mesmo soberano dentro das quadras, o time de futebol de cinco do ICB ainda encontra obstáculos pela frente. Recentemente, a equipe foi convidada para participar do Bučovice Blind Football Cup 2013, competição europeia que vai reunir os principais times do ‘Velho Continente’. O torneio será realizado entre os dias 24 e 26 de maio, na República Tcheca.
Acho que dá para ser campeão desse torneio"
Gerson Coutinho
Única equipe fora da Europa convidada para o mundialito, o time do ICB corre o sério risco de ficar fora da disputa. O time precisa arrecadar cerca de R$ 30 mil para custear a equipamentos, passagens aéreas e estadias dos jogadores. Gerson Coutinho conta que corre atrás de patrocinadores interessados em apoiar a equipe e diz que até agora só conseguiu parte do dinheiro necessário.
- Uma parte do dinheiro foi arrecadada com uma empresa de alimentos. Não é o valor que vai fechar tudo, por isso ainda estamos atrás de empresas interessadas em patrocinar o time. Nossos planos incluem a viagem de oito atletas, o técnico e o chefe de delegação. A conta é de R$ 25 mil com passagens e hospedagem e R$ 5 mil com equipamentos, já que a competição será disputada em grama sintética e precisamos comprar chuteiras apropriadas para o campo e agasalhos, pois é inverno na Europa – pontua Coutinho.
Para atrair interessados, o treinador lembra que o time do ICB possui prestígio internacional, representará a Bahia e o Brasil em uma competição europeia e que deve chegar como favorito ao título da competição, que também contará com equipes como o Worcester BFC (atual campeão inglês), MTV Stuttgart (campeão alemão), BFC Praha (campeão tcheco), Saint-Mandé (time que possui a base da Seleção Francesa) e o Avoy UM Brno (organizador do torneio).
- Podemos representar o Brasil na Europa. E eu, sinceramente, acho que dá para ser campeão desse torneio. Temos um time muito forte. Com certeza vamos para vencer - afirma o treinador.
time de futebol de 5 do instituto de cegos da bahia (Foto: Thiago Pereira)Time aguarda por patrocínio para viajar para a República Tcheca (Foto: Thiago Pereira)
A competição será disputada com base nas regras da Federação Internacional dos Desportos para Cegos (IBSA), entidade máxima do futebol paralímpico. Cada equipe tem cinco jogadores, incluindo o goleiro. Os times podem ainda ter um guia, que fica posicionado atrás do gol adversário e emite sons para servir de referência para os atletas. A bola possui uma espécie de guizo que faz barulho para que os jogadores possam localizá-la pelo som. A partida é realizada em dois tempos de 25 minutos cada, com um intervalo de 10 minutos.
Jefinho, o craque

Jeferson Gonçalves, 23 anos , titular da Seleção Brasileira de futebol paralímpico e com muita história para contar. Jovem de sorriso fácil, ele foi vítima de um glaucoma congênito e tornou-se deficiente visual ainda criança. O diagnóstico da doença veio tarde, o que impediu a realização de um tratamento. Aos sete anos, ele já não enxergava, mas foi muito além do que qualquer olho poderia ver.
jeffinho, jogador do time de futebol de 5 do instituto de cegos da bahia (Foto: Thiago Pereira)Jefinho é o destaque da equipe do Instituto de
Cegos da Bahia (Foto: Thiago Pereira)
Jefinho chegou ao Instituto de Cegos da Bahia em 2009. Com 13 anos, já atuava pelo time do ICB. Participou de praticamente toda a história da equipe baiana e, a partir de 2004, começou a alçar voo próprio. Foi naquele ano que o jogador foi convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira. Participou de treinos, mas não atuou em nenhuma competição oficial. O primeiro torneio com a amarelinha só veio dois anos depois, quando representou o Brasil no Mundial de Futebol Paralímpico.
A partir de então, Jefinho colecionou títulos com a seleção nacional. Faturou medalhas nas Paralimpíadas de Pequim e de Londres. Em 2010, foi convocado para participar do Mundial da categoria. Começou na reserva, entrou na primeira partida, marcou gol e não saiu mais do time. Além do troféu, foi agraciado com uma premiação individual. Naquele ano foi eleito o melhor jogador do mundo de futebol paralímpico, título inesperado, mas muito comemorado.
- Eu não achava que ia ganhar. Tinha vários concorrentes de peso. Foi uma das melhores coisas que aconteceram em minha vida. Comecei o Mundial como reserva, entrei no primeiro jogo contra a China e marquei um gol. Fiz cinco gols no torneio e representei bem a seleção. Acabei sendo eleito melhor jogador do mundo no final das contas. Fiquei muito feliz – diz o jogador, declaradamente torcedor do Bahia.
Acostumado a encontrar dificuldades pelo caminho, Jefinho minimiza a falta de dinheiro para participar do Bučovice Blind Football Cup 2013. Para o jogador, o time do ICB sempre encontrou problemas para seguir em frente, mas nunca parou de caminhar. E não seria agora que deixaria de seguir seu caminho, de títulos e principalmente de superação.
jefinho brasil Mundial de futebol para cegos (Foto: divulgação)Jefinho é constantemente convocado para defender a seleção brasileira (Foto: divulgação)
- A gente sabe das dificuldades, mas foi assim no início de tudo. Esperamos que empresários ou o poder público contribuam para nossa viagem. Vai ser a Bahia representando o Brasil, e garanto que eu e meus companheiros vamos dar o máximo de nós mesmos para justificar esse investimento – concluiu Jefinho, que, apesar de ter conquistado o mundo, ainda mantém a humildade de um menino nascido no interior da Bahia.

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